sábado, 26 de março de 2011

FALECE EM RECIFE O MULTIARTISTA PERNAMBUCANO LULA CÔRTES

O cantor, compositor e poeta Lula Côrtes, um dos pioneiros em fundir o ritmo regional nordestino ao rock and roll, morreu na madrugada deste sábado aos 61 anos de idade. Ele sofria de um câncer na garganta e, segundo amigos, estava na praia de Maracaípe quando passou mal, sendo trazido por uma ambulância para o Hospital Barão de Lucena, onde já chegou sem vida. Ele exercia a função de assessor cultural da Prefeitura de Jaboatão. Sua última apresentação como músico aconteceu no Pátio de São Pedro, no domingo de Carnaval.

Nascido Luiz Augusto Martins Côrtes, Lula tem seu nome marcado na música popular brasileira por dois discos lançados na primeira metade da década de 1970, hoje lendas na internet pelo alto preço cobrados pelos vinis. Em 1972, ele gravou com o hoje cartunista Laílson o LP Satwa, pela Rozemblit. Em 1974, com Zé Ramalho, finalizou o álbum duplo Paêbiru - O Caminho da Montanha do Sol, mas a gravadora pernambucana, atingida por uma grande enchente, só conseguiu salvar poucas cópias, que se tornaram raridades. Ele ainda produziu e fez o desenho da capa de No Sub Reino dos Metazoários (de Marconi Notaro).

Os três trabalhos chegaram a liderar a lista de discos mais vendidos na categoria World Music  quando foram lançados em 2008 nos Estados Unidos por uma gravadora independente, a Time-Lag Records. O relançamento em CD de Paêbiru no Brasil fazia parte dos planos de Lula Côrtes, que destacou ao Diario: “Na verdade, o disco não é só meu e de Zé Ramalho, é de toda a galera do movimento underground nordestino da época. Na ficha do Paêbirú, aparecem muitos nomes, como Alceu Valença e Geraldo
Azevedo”, afirmou.

Côrtes ainda lançou os discos O Gosto Novo da Vida, Rosa de Sangue, A Mística do Dinheiro, O Pirata, Nordeste, Repente e Canção e Lula Cortes & Má Companhia. Somente este último teve distribuição direta em CD. Além de músico, Lula Côrtes lançou obras de prosa e poesia, como o audiobook O lobo e a lagoa e livros como Hábito ao vício, Rarucorp, Bom era meu irmão, ele morreu, eu não e Amor em preto e branco  e se dedicava atualmente às artes plásticas. Em reconhecimento ao seu trabalho literário, a União Brasileira dos Escritores de Pernambuco (UBE/PE) deu-lhe a carteira de sócio efetivo, retroagindo a ano de admissão a 1972, quando o multiartista lançou o Livro das Transformações.

Da sua experiência como assessor de Cultura da Prefeitura de Jaboatão, Lula extraiu matéria para pintar aquarelas retratando o cotidiano dos habitantes do município, seus aspectos ecológicos, o patrimônio material e imaterial da cidade. Sua meta era chegar a 365 peças. A primeira exposição, com 35 aquarelas, intitulada Fragmentos, foi aberta em setembro do ano passado.
http://www.pernambuco.com/ultimas/nota.asp?materia=20110326023209&assunto=76&onde=Ultimas


VIDA DE LULA CÔRTES FOI SINÔNIMO DE ROCK N´ROLL
José Teles

No dia 13 de julho de 1985, 1,5 bilhão de pessoas, assistiram pela TV ao mais bombástico show da história do rock, o Live Aid, evento organizado pelos músicos Bob Geldof e Midge Ure, com o objetivo de arrecadar dinheiro para a Etiópia. Os shows, que reuniram praticamente todos os astros do rock dos EUA e Inglaterra aconteceram no Estádio Wembley, em Londres (com a presença de 72 mil pessoas) e no Estádio JFK na Filadélfia (com uma platéia de 90 mil pessoas). Alguns dos artistas vistos pela TV, apresentaram-se em Sidney, Moscou e Japão.
Não importa que o alimento comprado com o que foi arrecadado, cerca de 150 milhões, em um único dia, tenha em grande parte se estragado, por conta da burocracia do governo etíope, a data do Live Aid foi oficializada como o Dia Mundial do Rock.

Ao contrário de outros gêneros, o rock and roll não se tratava tão somente de uma música. Era também uma forma de comportamento. Depois de Rock around the clock, com Bill Haley and his Cometes, que entrou aqui na trilha do filme Semente da violência (Blackboard jungle, de Richard Brooks, 1955), a juventude jamais seria a mesma. “Minha primeira lembrança do rock and roll é meu pai e minha mãe dançando Rock around the clock na sala de casa”, revela o recifense Lula Cortês, 59 anos. Poucos músicos no País encarnaram mais o espírito do rock and roll do que este inquieto cantor e compositor, que está na estrada desde os anos 60.
Ainda adolescente ele foi para São Paulo, em plena Jovem Guarda (chegou a fazer a capa de um dos discos do Jet Blacks um dos principais grupos do iê-iê-iê instrumental). “Nesta época, um amigo meu, Luís, que era filho de um embaixador, me apresentou coisas mais undergrounds, descobri a literatura dos beats, até que cheguei aos Rolling Stones”, conta Lula, que foi morar em seguida em Minas Gerais, e participou de dois grupos, o TNT4 e o Capeta 5. “Não era iê-iê-iê. No segundo grupo a música já era autoral”.
No começo dos anos 70, Lula Côrtes viajou pela primeira para a Europa, onde assistiu, em Bordeaux, na França, a um show da turnê do disco Paranoid, do Black Sabbath, (para ele o melhor show de rock que viu ao vivo), estendendo a viagem até o Marrocos. De volta trouxe para casa, a cítara que tem até hoje, e discos de Jimi Hendrix, Cream, a nata da psicodelia da época. “ A partir daí comecei a curtir drogas e rock. Acho que os dois têm tudo a ver, embora o rock independa das drogas. Usei de todo tipo. Hoje, por motivo de saúde, não uso mais, porém o rock sendo continua minha forma de viver”, confessa.

Lula define o rock como a “expressão mais espontânea, mais vivencial, mais corpórea de um ritmo”. O artista que lançou discos antológicos como Satwa (com Laílson), o lendário Paêbirú (dividido com Zé Ramalho), o raríssimo O gosto novo da vida (retirado de catálogo pela gravadora Ariola, mal foi lançado em 1980), fez parte da banda de forrorock de Alceu Valença, em 1976, diz que para ele o rock é tudo: Podem achar que a música que eu faço está mais para a MPB, mas é rock, ou melhor, o que eu faço é RPB, rock popular brasileiro.”
Se o Black Sabbath de Paranoid foi o grande show a que assistiu, a Rolling Stones é a banda que melhor traduz o rock and roll. “A melhor música de rock de todos os tempos para mim é Sister Morphine” (música dos Stones, do álbum Stick Fingers, de 1971), dizx. Dos roqueiros pernambucanos, para Lula Cortês, o guitarrista Xandinho, Má Companhia, é o que mais vive o sonho do rock and roll: “Ele e a Má Companhia são o símbolo do rock em Pernambuco. Nos conhecemos nos anos 80, no antigo Sushi Bar,de Marcelo Mesel (que ficava num casarão ao lado da sede do Sport, na Ilha do Retiro). Desde então a maioria dos trabalhos de Lula tem sido realizados com a Má Companhia.

Mesmo com mais de meio século de existência, o rock and roll ainda é visto por muitos como uma expressão musical para adolescente, embora Chuck Berry, um de seus pais, tocou no mês passado no Rio e São Paulo com 81 anos [06/2008]. Uma visão equivocada, para Lula Cortês. “Desde Bob Dylan, nos anos 60, que o rock não é mais coisa de garoto. Basta prestar atenção nas letras.O rock é uma música atemporal, um camaleão, que vai tomando a forma de cada época”.


UM POEMA

Qualquer merda (Lula Côrtes)

Me falta carinho
Me falta tesão
Me falta algum fio
Que ligue esse mundo na minha emoção
Me falta beleza
Me falta o amor
Me falta algum brilho
Que tire de dentro de mim tanta dor
Me falta tristeza
Me falta ilusão
E um pouco de sangue
Que venha aquecer esse meu coração
E me falta paixão
Me falta saudade
Me falta sentir o sofrer e o viver
E me falta a maldade
Me falta o cinismo
Me falta a frieza
Me falta a gravata bonita e dourada por cima da mesa
Me falta dinheiro
Me faltam culhões
E me falta sentir o outro lado da falta
E me faltam ilusões
E me falta até sangue
Me falta mais fogo
Me falta sentir e poder reagir contra a vida de novo
Me falta leveza
Me falta um brilhante
Me falta um olhar
Que me faça mostrar a verdade distante
Me falta birita
Me falta um papel
Ou então qualquer merda
Que aqui se pareça um pedaço do céu

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